quinta-feira, 18 de abril de 2013

The Man Who Died in His Boat

Dona e senhora dum dos projectos mais interessantes do Ambient electroacústico, Liz Harris tem vindo a criar desde 2005, sob o pseudónimo de Grouper, algumas das melhores canções feitas a partir da mistura de Folk, Lo-Fi, Drone e Shoegaze dos últimos anos, “rivalizando” com nomes mais sonantes (mas menos importantes) como Julia Holter ou Benoît Pioulard. O seu mais recente disco de originais, The Man Who Died in His Boat, foi lançado no passado dia 4 de Fevereiro com o selo independente da Kranky, e é dele que vamos falar nesta review.

Apesar de ser quase impossível fazer uma contextualização do extenso trabalho que Liz Harris tem vindo a desenvolver desde Grouper (a estreia homónima de 2005) sem esquecer detalhes ou ferir susceptibilidades, creio não estar a fugir à verdade ao dizer que Dragging a Dead Deer Up a Hill, disco de 2008, foi sem dúvida o registo de afirmação da cantautora norte-americana. Com uma sonoridade profunda, cheia de frágeis momentos de beleza, o terceiro LP da artista serviu de chamada de atenção para muitos, que passaram a olhar para Grouper como um dos nomes mais promissores do circuito independente.

The Man Who Died in His Boat, oitavo álbum a solo de Harris, apresenta-se como um conjunto de canções recuperadas das sessões de gravação de Dragging a Dead Deer Up a Hill, o que acaba por resultar, sem surpresas, numa grande semelhança entre as duas obras, tanto em termos conceptuais como sonoros. Contudo, apesar de se poder pensar a priori que este registo não passa de uma colecção de “pseudo” B-Sides e faixas menores, a verdade é que The Man Who Died in His Boat afirma-se como um disco de pleno direito.

Cortando com as ambiências mais meditativas, extensas e sonolentas dos seus discos mais recentes, mais concretamente A I A: Alien Observer/Dream Loss (2011) e Violet Replacement (2012), The Man Who Died in His Boat leva-nos de volta às paisagens mais bucólicas e pastoris (mas, ainda assim, bastante obscuras) que Grouper andava a desenhar por volta de 2008, devolvendo-nos a um mundo paradoxalmente frio e envolvente, carregado de drones electroacústicos, melodias quase impenetráveis e vocais fantasmagoricamente etéreos e desconcertantes.

Isso traduz-se, à boa maneira de Grouper, em panoramas sonoros avassaladores, que nos atingem de forma certeira devido à conjugação duma simplicidade espartana com uma indecifrabilidade digna dos mistérios mais ocultos da natureza. A isto tudo junta-se, também, uma estética particularmente despida, conseguida através duma utilização escassa de recursos: em The Man Who Died in His Boat, (quase) tudo é conseguido apenas com a voz de Liz Harris, uma guitarra e alguns pedais de efeitos e filtros vocais (com particular destaque para o reverb omnipresente), o que volta a atestar a velha máxima de que “com pouco se faz muito”.

Quanto às temáticas de The Man Who Died in His Boat, não se pode dizer que se consiga perceber muito pelas letras, que aparecem aqui duma forma quase indecifrável pela já referida entrega etérea de Liz Harris. Ainda assim, é possível entender que, à semelhança da sonoridade, também a lírica deste disco se foca na penumbra, ajudando a estabelecer um ambiente intenso, digno de uma casa abandonada. Tudo isto se conjuga para formar uma obra sólida e coesa, que encapsula em si mesma um grande poder, fruto dos sentimentos mais tristes e melancólicos que existem em nós.

Contudo, apesar de todas estas grandes qualidades, não pude deixar de me sentir frustrado com a presença de algumas faixas que, na minha opinião, surgem desfasadas do resto do álbum e que, por isso mesmo, acabam por romper algum do encanto que The Man Who Died in His Boat tenta estabelecer; é o caso de Being Her Shadow, Vanishing Point e STS, peças que penso estarem inferiores ao resto do conjunto. Por outro lado, a simplicidade e a beleza de composições como Clouds in Places, Cover the Long Way, The Man Who Died in His Boat, Towers e Living Room acabam por levar este registo a bom porto.

Resumindo, com The Man Who Died in His Boat a norte-americana Liz Harris reabriu o baú do passado; porém, o que à partida poderia ser visto como um acto oportunista motivado pela preguiça/falta de criatividade acaba por ser, na realidade, um precioso resgate duma belíssima obra digna de um destino melhor que o esquecimento. Rico em paredes de som descomprometidas, feitas para esconder as linhas com que se cosem as angústias da sonoridade de Grouper, este disco não é um registo imediato e não é, certamente, para qualquer um. No entanto, isso só reafirma aquilo que percurso de Liz Harris nos tem tentado ensinar desde o início: que nem todos os álbuns foram feitos para serem decifrados por toda a gente.

Nota final: 8.3/10

João Morais

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