segunda-feira, 4 de junho de 2012

Capicua

Rapper oriunda da cidade do Porto, Capicua (nome artístico de Ana Fernandes) é vista por muitos como uma das grandes apostas para o futuro do Hip-Hop nacional, mesmo que já ande a trilhar o circuito underground há vários anos, com colaborações em EP’s e Mixtapes (mais ou menos) obscuras. O seu primeiro LP a solo, o homónimo Capicua, foi lançado pela Optimus Discos no dia 13 de Fevereiro, e é dele que vamos falar hoje.

Antes de começar a falar deste disco devo confessar que Capicua era para mim, até há bem pouco tempo, um nome totalmente desconhecido, e que do trabalho anterior a este LP pouco ou nada ouvi. No entanto, posso dizer que fiquei muito interessado neste projecto mal ouvi falar nele, e isso deve-se à lista de “superestrelas” da música nacional que estiveram envolvidas na sua produção: Sam the Kid, Makoto Yagyu (If Lucy Fell, Riding Pânico e PAUS) ou Pedro Geraldes (Linda Martini), entre outros. Só por isso, o meu entusiasmo subiu a níveis bem elevados, e depois de ouvir Capicua, o meu veredicto é de que fui totalmente recompensado.

Apesar de ser uma obra lançada em pleno ano de 2012, Capicua é um disco que impressiona pela forma como fala mais aos “clássicos” do Hip Hop do que aos seus contemporâneos. Não se pense, porém, que esta é uma obra saudosista, nostálgica ou a cheirar a mofo; pelo contrário, este LP aparece como um registo fresco e entusiasmante. A inspiração para os beats e samples é claramente retirada da Soul e do R&B mais clássico, e que confere a Capicua uma beleza tremenda.

Quanto à “entrega” da jovem rapper portuense, pode-se dizer que o flow de Capicua apresenta, nitidamente, uma inspiração naquilo que de melhor se faz no Hip Hop nacional. Ouvem-se, aqui e ali, influências vindas de Mind Da Gap, Sam the Kid ou Valete, e que atestam que Capicua é uma MC atenta e com bom gosto. A voz, uns tons abaixo do que é usual para uma mulher, consegue ainda assim reter bastante feminilidade, num traço muito sui generis faz com que Ana Fernandes seja bem única no panorama nacional.

Quanto aos temas abordados, uma das maiores armas de Capicua é, sem dúvida, a versatilidade. Escrevendo com facilidade sobre as mais variadas coisas, Ana Fernandes tanto mostra um lado mais interventivo e político (Os Heróis, Medo do Medo ou Terapia de Grupo) como uma faceta mais introspectiva e pessoal (Maria Capaz, Sagitário, Casa no Campo). Essa capacidade de se metamorfosear, aliada às rimas inteligentes e bem estruturadas, fazem com que Capicua tenha muito mais sumo e conteúdo do que a maioria do Hip Hop que vemos por aí nos dias que correm.

Na produção, para além dos artistas já citados, há que creditar também o belíssimo trabalho de nomes como D-one, Ghuna X ou Nelassassin, que através de belíssimos arranjos, beats e sequências conseguiram criar um grandioso pano de fundo para os versos de Ana Fernandes. Quanto a defeitos em Capicua, para além de algumas canções de que gostei menos e que quebram um pouco o ritmo do álbum, não posso dizer que haja muito por onde pegar para atacar o disco.

Quanto aos pontos altos deste LP, canções como a fresca e contagiante 1º Dia, a forte e carregada Hora Certa, a inteligente e bem-pensada Os Heróis, a sublime e descontraída A Volta e a groovy e contagiante A Última são, para mim, escolhas óbvias. Na hora de apontar as faixas que estão, a meu ver, menos conseguidas, as peças que me saltam logo da mente são Medo do Medo, Judas & Dalilas e Casa no Campo.

Resumindo, Capicua é uma excelente obra, e mostra que Ana Fernandes se arrisca a ser, ao invés de uma mera promessa, um valor mais do que seguro do Hip Hop nacional. Misturando um talento puro e um rap escorreito e bem conseguido com uma capacidade incrível de se rodear com músicos, técnicos e produtores capazes de levar a tarefa a bom porto, Capicua é um dos grandes discos nacionais do ano. Ficamos à espera de mais, muito mais, vindo desta menina.

Nota Final: 8,7/10

João Morais

PS: o link para o download (legal) do álbum é este:
http://optimusdiscos.com/discos/artistoptimusdiscos/capicua

3 comentários:

  1. Boa resenha. Só discordo que Medo do Medo e Casa no Campo sejam pontos baixos -- pelo contrário, me parecem duas das melhores do disco (a primeira pelo ritmo certeiro e pela letra mordaz, a segunda por ser uma homenagem que não cheira à cópia, mas a genuína reinvenção), embora concorde que Judas & Dalilas destoe um pouco do alto nível do restante das músicas. Estive na apresentação do último domingo em Serralves e tanto Medo do Medo e Casa no Campo funcionam muito bem (talvez melhor) ao vivo. Saudações.

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    1. Antes de mais, deixa-me agradecer o elogio; é sempre muito bom receber feedback, ainda para mais quando ele é positivo.

      Quanto às canções, é uma mera questão de opinião. Não quero dizer com o que escrevi que aquelas canções são objectivamente más, mas apenas não me puxaram tanto quanto as outras.

      Quanto ao concerto em Serralves, és uma pessoa com sorte! Eu ainda não tive a chance de poder ver ao vivo a menina Capicua, pelo que vou ter de esperar que a ocasião surja para ver como é que as canções "ganham vida".

      Cumprimentos!

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  2. Concordo com o primeiro cometário mas acrescento que achei, pessoalmente, a participação do Nerve na "Judas e Dalilas" sublime. Cumprimentos

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