Corria o ano de 1991 e o panorama
musical americano via-se mandingado pelo fenómeno Grunge, que despertou no início do 90’s. Bandas como Nirvana,
Soundgarden,
Alice
In Chains, entre outras, iam crescendo na cidade de Seattle, dando
início a um marco que influenciou, indubitavelmente, uma série de gerações. Celebravam-se
doses altíssimas de sarcasmo, angústia, apatia com a vida e um imenso desejo
pela liberdade. Incrassava-se a rebeldia juvenil que se via, incessantemente, a
ser combalida por uma vida demasiado monótona que ia, a cada dia,
desdourando os sonhos dos jovens americanos. Todo este espírito de revolta que
avassalava esta geração pode ser categorizado como o espírito que serviu de
génese para o movimento Punk. De
facto, o Grunge é uma mistura
complexa que se alicerça, e em muito, no Punk.
O Grunge é, musicalmente, um Alternative Rock que se funde com os
ideais de Punk e é pintado por tonalidades agrestes de um Post-Harcore ou de um Heavy Metal
comedido. Enquanto bandas como, por exemplo, Alice In Chains e Soundgarden
decidiram explorar mais a sua vertente Heavy Metal, outras descaíram para
outros rumos, menos latebrosos e mais apelativos. Falamos, por exemplo e mesmo
a propósito, dos Pearl Jam.
Os Pearl Jam provêm dos
célebres Mother Love Bone, banda do mítico Andrew Wood. Após a separação dos MLB, Jeff Ament e Stone Grossard juntaram-se com Dave
Krusen, Mike McCready e o
carismático Eddie Vedder e formaram,
então, os Pearl Jam. Estávamos em 1990 e viviam-se os tempos primordiais
da banda.
Comandados pela voz emblemática,
bela e maravilhosa do ínclito Eddie,
sob os riffs viscerais de Stone e Mike, sob a atmosfera intrigante
provocada por uma bassline interventiva
a cabo de Ament e embriagados por
uma bateria, ao encargo de Krusen, que
se parece querer comburir nas paisagens ardentes que se vão pintando ao longo
do registo, chega-nos, em 1991, o primeiro LP da banda norte-americana. Eram
tempos de Ten. Concitava-se o movimento Grunge num grito de rebeldia, o seu primeiro, que se alentava por
não querer deixar passar ninguém incólume. Ten foi condimentado meses antes do
auge do Grunge, auge, esse,
assinalado pela lenda incontornável de Nevermind, álbum lançado pelos Nirvana
em Setembro de 1991.
Num álbum absolutamente soberbo,
a banda, liderada por Eddie Vedder,
edificou uma das obras-primas mais belas que tive a oportunidade de ouvir. Datado
de Agosto de 1991, Ten foi arquitectado com 11 faixas e conta com um total de, aproximadamente,
54 minutos. Condimentado na língua de Shakespeare
e tendo como editora a Epic, a produção ficou encarregue a Rick Parashar. Vamos, então, proceder à
análise deste monstro da época dos 90’s.
O registo tem início com um uma
introdução arrepiante, dando presságio para fazermos uma vénia, que vem aí uma
coisa do outro mundo. É Once que nos
chega aos ouvidos. Ensopada por riffs
que nos datam os tempos áureos do Hard Rock,
somos, de imediato, enfeitiçados pela magia que se esconde nas cordas vocais de
Eddie Vedder. Acerca da vertente
lírica que compõe esta faixa, pode-se dizer que ela incide em temas como, por
exemplo, o suicídio.
Sempre com um lirismo bastante
instruído, a banda de Seattle aborda, ao longo de todo o registo, temáticas centradas
em sentimentos menos bons. De facto, Eddie
Vedder, o cerne da génese para as criações líricas dos Pearl Jam, é um songwriter que explora a sua vertente
mais instrospectiva, abordando temas como a solidão, depressão, o seu ego que se vai revelando ábio, ou problemas de carácter mais social, como críticas constantes
aos políticos. A segunda faixa do registo, e um dos grandes êxitos da banda, Even Flow, é uma crítica às políticas
americanas.
Contudo, é nas suas vivências pessoais
que Eddie mais incide para escrever.
O mega-êxito Alive é o maior exemplo disso.
Alive, a terceira faixa do registo, é nada mais do que uma canção biográfica que
nos revela a raiva e frustração de Vedder
por este ter vivido grande parte da sua vida enganado, iludido na mentira do
seu padrasto ser o seu pai biológico. Espelha-se um dos grandes momentos do álbum
quando se escuta esta faixa, onde tudo parece estar numa perfeita e artística
simbiose. Vocais de excelência a fundirem-se com uma instrumentalidade
demolidora, num momento amplamente complanado por riffs que nos compelem uma vontade imensa de descodificar o que se
perde na paisagem apetrechado do ludro, fruto dos versos intrigantes de Vedder. Momento sublime.
Outro dos momentos do álbum é a
sensacional Black, a balada do
registo. Conferida por uma sonoridade calma e bastante agradável, é nesta faixa
que, em meu ver, mais imerge o génio de Vedder.
Liricamente, é aqui que Eddie
exsurge-se com egrégio vate. Somos invadidos por uma composição lírica laudativa
e abrasados pela voz icónica e jamais irrepreensível de Eddie Vedder. O momento que assinala a passagem «I know someday you'll have a beautiful life/ I know you'll be a star/ in somebody else's sky/ but why?/ why?/ why can't it
be/ can't it be mine?» é absolutamente assombroso. Black é, tal como um sonho mágico, incorpóreo
de tão grandioso que consegue ser.
Seguidamente chega-nos Jeremy, um dos clássicos mais vincados
da banda. Assinalando um excelente momento musical, Jeremy conta-nos a história de um rapaz que se suicidou durante uma
aula porque era constantemente troçado pelos colegas e pelo professor. O
vestígio lírico que salienta este aspecto é a constante invasão que nos é feita
com o verso «Jeremy spoke in class today»,
e falou num grito rebelde, fustigado pelos maus tratos de que era vítima. Só
assim lhe seria dado descanso, uma espécie de alerta que os Pearl
Jam fazem ao sentido cívico nas escolas.
Outro dos pontos dignos de grande
realce do registo, surge-nos com Garden,
uma das minhas músicas favoritas da discografia dos Pearl Jam. A meu ver,
esta faixa é um pouco semelhante a Alive, pois é musicada seguindo os mesmos
padrões: riffs monstruosos a ebulirem com a emoção com que Vedder
enche os seus pulmões para soltar gritos viscerais, e que nos vão concitando ao
longo deste pedaço musical. Envolto por um lirismo rico, não fosse Eddie quem
tivesse escrito este Garden, este
jardim é regado pelas melhores fontes, e colorido pelas flores mais belas sob
uma atmosfera de céu cinzento e tarde chuvosa, com o vento a soprar forte.
Perfeito.
Depois de Garden, chega-nos a melancólica Deep,
a música que, na minha opinião, é a mais emotiva e pesada de Ten. Desde os
gritos estridentes de Eddie, à
sonoridade apetrechada pela noção do incôndito e da entropia, da desordem pura.
Com pequenos aromas de Post-Hardcore
ou Hard Rock, esta é a música mais Grunge de Ten. Um trecho musical
bastante apetecível e de audição obrigatória.
O meu momento favorito do registo
é Release, a faixa que serve de
desenlace para Ten. À medida que o elóquio de Eddie se vai descingindo por uma conversa com o seu pai, este
vai-se enchendo de emoção e fervendo de sentimento a cada nota musical que é
tocada. Ao longo deste pedaço musical, existe uma voz, a voz de Vedder, a implorar por perdão. Não
invoca um perdão de Deus, ou de uma entidade celestial, implora apenas o perdão
do seu pai biológico por ter chamado ‘pai’ ao padrasto. Ao longo da faixa, o
ouvinte é levado a levitar por paisagens reinadas por questões morais e retóricas
que Vedder vai fazendo a si próprio.
Além de genial, esta faixa é, também ela, bastante penetrante. O registo
termina com uma obra de arte, uma das preciosidades de toda a década de 90.
Em compêndio, Ten
é um álbum que prima em todos os níveis. Desde a componente instrumental à
componente vocal, desde os lirismos soberbos à alma com que Vedder extravasa emoção, trata-se de um
LP que faz parte dos meus discos favoritos de sempre. Apesar de conter momentos
musicais que não me dizem grande coisa, como por exemplo Oceans, Why Go ou Porch,
todos os defeitos são aniquilados quando escutamos faixas como Black, Garden ou Release.
Sem desdourar com o passar do
tempo, e com o pesar dos 90’s na bagagem, Ten é daqueles discos que merece e
vale a pena ouvir inteiramente desde o início ao fim, porque é um regalo para
os nossos ouvidos a todos os níveis. Sem mais retórica, é hora de o escutar.
Emanuel Graça