terça-feira, 8 de maio de 2012

Discos com Graça: Ten

Corria o ano de 1991 e o panorama musical americano via-se mandingado pelo fenómeno Grunge, que despertou no início do 90’s. Bandas como Nirvana, Soundgarden, Alice In Chains, entre outras, iam crescendo na cidade de Seattle, dando início a um marco que influenciou, indubitavelmente, uma série de gerações. Celebravam-se doses altíssimas de sarcasmo, angústia, apatia com a vida e um imenso desejo pela liberdade. Incrassava-se a rebeldia juvenil que se via, incessantemente, a ser combalida por uma vida demasiado monótona que ia, a cada dia, desdourando os sonhos dos jovens americanos. Todo este espírito de revolta que avassalava esta geração pode ser categorizado como o espírito que serviu de génese para o movimento Punk. De facto, o Grunge é uma mistura complexa que se alicerça, e em muito, no Punk.

O Grunge é, musicalmente, um Alternative Rock que se funde com os ideais de Punk e é pintado por tonalidades agrestes de um Post-Harcore ou de um Heavy Metal comedido. Enquanto bandas como, por exemplo, Alice In Chains e Soundgarden decidiram explorar mais a sua vertente Heavy Metal, outras descaíram para outros rumos, menos latebrosos e mais apelativos. Falamos, por exemplo e mesmo a propósito, dos Pearl Jam.

Os Pearl Jam provêm dos célebres Mother Love Bone, banda do mítico Andrew Wood. Após a separação dos MLB, Jeff Ament e Stone Grossard juntaram-se com Dave Krusen, Mike McCready e o carismático Eddie Vedder e formaram, então, os Pearl Jam. Estávamos em 1990 e viviam-se os tempos primordiais da banda.

Comandados pela voz emblemática, bela e maravilhosa do ínclito Eddie, sob os riffs viscerais de Stone e Mike, sob a atmosfera intrigante provocada por uma bassline interventiva a cabo de Ament e embriagados por uma bateria, ao encargo de Krusen, que se parece querer comburir nas paisagens ardentes que se vão pintando ao longo do registo, chega-nos, em 1991, o primeiro LP da banda norte-americana. Eram tempos de Ten. Concitava-se o movimento Grunge num grito de rebeldia, o seu primeiro, que se alentava por não querer deixar passar ninguém incólume. Ten foi condimentado meses antes do auge do Grunge, auge, esse, assinalado pela lenda incontornável de Nevermind, álbum lançado pelos Nirvana em Setembro de 1991.

Num álbum absolutamente soberbo, a banda, liderada por Eddie Vedder, edificou uma das obras-primas mais belas que tive a oportunidade de ouvir. Datado de Agosto de 1991, Ten foi arquitectado com 11 faixas e conta com um total de, aproximadamente, 54 minutos. Condimentado na língua de Shakespeare e tendo como editora a Epic, a produção ficou encarregue a Rick Parashar. Vamos, então, proceder à análise deste monstro da época dos 90’s.

O registo tem início com um uma introdução arrepiante, dando presságio para fazermos uma vénia, que vem aí uma coisa do outro mundo. É Once que nos chega aos ouvidos. Ensopada por riffs que nos datam os tempos áureos do Hard Rock, somos, de imediato, enfeitiçados pela magia que se esconde nas cordas vocais de Eddie Vedder. Acerca da vertente lírica que compõe esta faixa, pode-se dizer que ela incide em temas como, por exemplo, o suicídio.

Sempre com um lirismo bastante instruído, a banda de Seattle aborda, ao longo de todo o registo, temáticas centradas em sentimentos menos bons. De facto, Eddie Vedder, o cerne da génese para as criações líricas dos Pearl Jam, é um songwriter que explora a sua vertente mais instrospectiva, abordando temas como a solidão, depressão, o seu ego que se vai revelando ábio, ou problemas de carácter mais social, como críticas constantes aos políticos. A segunda faixa do registo, e um dos grandes êxitos da banda, Even Flow, é uma crítica às políticas americanas.

Contudo, é nas suas vivências pessoais que Eddie mais incide para escrever. O mega-êxito Alive é o maior exemplo disso. Alive, a terceira faixa do registo, é nada mais do que uma canção biográfica que nos revela a raiva e frustração de Vedder por este ter vivido grande parte da sua vida enganado, iludido na mentira do seu padrasto ser o seu pai biológico. Espelha-se um dos grandes momentos do álbum quando se escuta esta faixa, onde tudo parece estar numa perfeita e artística simbiose. Vocais de excelência a fundirem-se com uma instrumentalidade demolidora, num momento amplamente complanado por riffs que nos compelem uma vontade imensa de descodificar o que se perde na paisagem apetrechado do ludro, fruto dos versos intrigantes de Vedder. Momento sublime.

Outro dos momentos do álbum é a sensacional Black, a balada do registo. Conferida por uma sonoridade calma e bastante agradável, é nesta faixa que, em meu ver, mais imerge o génio de Vedder. Liricamente, é aqui que Eddie exsurge-se com egrégio vate. Somos invadidos por uma composição lírica laudativa e abrasados pela voz icónica e jamais irrepreensível de Eddie Vedder. O momento que assinala a passagem «I know someday you'll have a beautiful life/ I know you'll be a star/ in somebody else's sky/ but why?/  why?/ why can't it be/ can't it be mine?» é absolutamente assombroso. Black é, tal como um sonho mágico, incorpóreo de tão grandioso que consegue ser.

Seguidamente chega-nos Jeremy, um dos clássicos mais vincados da banda. Assinalando um excelente momento musical, Jeremy conta-nos a história de um rapaz que se suicidou durante uma aula porque era constantemente troçado pelos colegas e pelo professor. O vestígio lírico que salienta este aspecto é a constante invasão que nos é feita com o verso «Jeremy spoke in class today», e falou num grito rebelde, fustigado pelos maus tratos de que era vítima. Só assim lhe seria dado descanso, uma espécie de alerta que os Pearl Jam fazem ao sentido cívico nas escolas.

Outro dos pontos dignos de grande realce do registo, surge-nos com Garden, uma das minhas músicas favoritas da discografia dos Pearl Jam. A meu ver, esta faixa é um pouco semelhante a Alive, pois é musicada seguindo os mesmos padrões: riffs monstruosos a ebulirem com a emoção com que Vedder enche os seus pulmões para soltar gritos viscerais, e que nos vão concitando ao longo deste pedaço musical. Envolto por um lirismo rico, não fosse Eddie quem tivesse escrito este Garden, este jardim é regado pelas melhores fontes, e colorido pelas flores mais belas sob uma atmosfera de céu cinzento e tarde chuvosa, com o vento a soprar forte. Perfeito.

Depois de Garden, chega-nos a melancólica Deep, a música que, na minha opinião, é a mais emotiva e pesada de Ten. Desde os gritos estridentes de Eddie, à sonoridade apetrechada pela noção do incôndito e da entropia, da desordem pura. Com pequenos aromas de Post-Hardcore ou Hard Rock, esta é a música mais Grunge de Ten. Um trecho musical bastante apetecível e de audição obrigatória.

O meu momento favorito do registo é Release, a faixa que serve de desenlace para Ten. À medida que o elóquio de Eddie se vai descingindo por uma conversa com o seu pai, este vai-se enchendo de emoção e fervendo de sentimento a cada nota musical que é tocada. Ao longo deste pedaço musical, existe uma voz, a voz de Vedder, a implorar por perdão. Não invoca um perdão de Deus, ou de uma entidade celestial, implora apenas o perdão do seu pai biológico por ter chamado ‘pai’ ao padrasto. Ao longo da faixa, o ouvinte é levado a levitar por paisagens reinadas por questões morais e retóricas que Vedder vai fazendo a si próprio. Além de genial, esta faixa é, também ela, bastante penetrante. O registo termina com uma obra de arte, uma das preciosidades de toda a década de 90.

Em compêndio, Ten é um álbum que prima em todos os níveis. Desde a componente instrumental à componente vocal, desde os lirismos soberbos à alma com que Vedder extravasa emoção, trata-se de um LP que faz parte dos meus discos favoritos de sempre. Apesar de conter momentos musicais que não me dizem grande coisa, como por exemplo Oceans, Why Go ou Porch, todos os defeitos são aniquilados quando escutamos faixas como Black, Garden ou Release.

Sem desdourar com o passar do tempo, e com o pesar dos 90’s na bagagem, Ten é daqueles discos que merece e vale a pena ouvir inteiramente desde o início ao fim, porque é um regalo para os nossos ouvidos a todos os níveis. Sem mais retórica, é hora de o escutar.

Emanuel Graça

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