Na primeira estrofe de Grace, na suave Mojo Pin, Jeff Buckley dá a entender-nos o que canta ao longo do álbum: a sua
dor e a sua necessidade de descobrir a essência da vida e do amor. Levando o
ouvinte a viajar para outro mundo, este disco aparece-nos sob uma atmosfera
intensa e sentimental.
O cantor norte-americano, filho da lenda Folk Tim Buckley, brinda-nos com uma voz absolutamente devastadora e
bela, capaz de se deambular por rumos completamente opostos como, por exemplo,
a voz explosiva e agressiva patenteada em Eternal
Life e o registo suave e encantador em Lilac
Wine. Com uma versatilidade fora do normal, o génio de Jeff Buckley emerge, também ele, na guitarra. Com músicas como Grace e So Real, ganhamos consciência de que o seu génio se despedaçava em
pequenas parcelas que o cimentavam como um artista completo.
Outro dom notável do californiano era a sua aptidão para
a escrita. Banhando as suas composições líricas em sentimento e emoção, Buckley demonstrava expressar-se de uma
maneira única e sublime. Maior exemplo deste seu dom será, seguramente, a
memorável Lover, You Should've Come Over.
Grace, um álbum imerso de
graciosidade:
O disco remonta a Agosto de 1994 e é constituído por 10
faixas, com um total de 51 minutos e 44 segundos. Tendo como editora a Columbia Records, Grace conta com:
1. Mojo Pin – A primeira estrofe dá-nos a
ideia do que Jeff Buckley pretende
fazer ao longo de todo o disco. O álbum começa de uma maneira formidável,
dando-nos, de imediato, a ideia de que devemos encará-lo de uma maneira bastante
séria. Nesta primeira faixa Buckley
aparece-nos demolidor, com uma capacidade vocal tremenda e capaz de aguentar
notas longas por uma infinidade de tempo. De facto, é mesmo impressionante a
quantidade de tempo que Buckley consegue
gritar sem qualquer tipo de desafinação. Começando por ser suave, a música
vai-se compondo e tornando robusta até que atinge o clímax. Este clímax dá-se
quando a dor do cantor decide começar a gritar desenfreadamente silenciando a
suavidade com que o cantor havia cantado até então. É, sem margem para dúvidas,
um começo estupendo.
2. Grace – A música que partilha o seu
título com o LP é, indubitavelmente,
um dos pontos altos do mesmo. Liricamente, esta música traz-nos a concepção do
cantor acerca de diversas temáticas como, por exemplo, a morte. Esta faixa abre
com um riff absolutamente estupendo e
aparece-nos, novamente, com um personagem que canta de uma maneira triste e
escura. Com uma instrumentalidade única, Jeff
prepara, ao longo da música, o momento da sua explosão. Levando-nos a divagar
no verso «Wait in the fire», Buckley explode,
uma vez mais, e solta a dor que há em si. Ao leme do poderio instrumental (com
realce para a bateria), solta-se o vazio que existia no cantor e somos
invadidos por um grito sobrenatural e que nos leva para outra galáxia.
Magnífico.
3. Last Goodbye – A fatia do génio de Buckley que mais sobressai nesta música
é o seu modo de escrever. Com uma linha de baixo agradável, edifica-se uma
música que descreve o fim de uma relação como ponto de partida para o
entendimento do quão importante uma pessoa pode ser na vida de outra pessoa. Ao
invés das primeiras duas músicas, esta faixa não nos aparece marcada por nenhum
momento de explosão. A voz de Jeff mantém-se
regular desde o início ao fim, sempre afinada e bela. Sentimental.
4. Lilac Wine - Lilac Wine é a primeira faixa do álbum que não é escrita pelo
cantor norte-americano. Esta composição lírica foi escrita por James Sheldon no longínquo ano de 1950,
tendo várias interpretações como, por exemplo, a de Nina Simone e a de Elkie
Brooks. Com uma instrumentalidade simples, dá-se, uma vez mais, alento à
capacidade vocal de Jeff, e
constrói-se, a meu ver, uma das melhores covers alguma vez feitas. Penetrante.
5. So Real – Esta música é, se é que posso
afirmar isto, a minha favorita de todo o álbum. E, além disso, foi através desta
música que comecei a atentar, música a música, estrofe a estrofe, verso a
verso, em Jeff Buckley. Com uma
instrumentalidade, uma vez mais, demolidora, a composição lírica é envolta de ouro.
No refrão, o verso «Oh that was so real», a bateria e o baixo ganham volume e
corpo e a música ganha vida. Num certo momento, Buckley aparece-nos apenas a falar e não a cantar, fala de uma
maneira assustadora e cria-se uma atmosfera suja e escura. Nesta faixa assinala-se
um ponto de viragem em Grace, passando-se de uma música
mais simples para uma música mais complexa e, ainda mais, sentimental.
Perfeita.
6. Hallelujah – A música mais reconhecida
de toda a discografia de Jeff Buckley
é Hallelujah. Originalmente escrita e
interpretada pela lenda Leonard Cohen,
esta é a faixa que exponencia o talento incrível de Buckley para a guitarra. Ao longo desta relíquia musical, dá-se uma
fusão encantadora e apaixonante entre a guitarra e a voz do cantor. No decorrer
de toda a música, Jeff
presenteia-nos com momentos em que parece apaixonar-se pelo que canta e quando
o faz é simplesmente incrível. Canta com a alma a transbordar amor e paixão,
canta de uma maneira sublime e dá uma nova vida à música de Cohen. Esta é a
maior música de todo o álbum, tendo 6 minutos e 53 segundos. Sendo uma das
pérolas da discografia de Buckley,
esta música alargou-se à escala global e transformou-se numa das melhores
covers de sempre. A meu ver, esta interpretação de Buckley consegue mesmo ser superior (e em muito) à sua versão
original. Um dos momentos de Grace. Apaixonante.
7. Lover, You Should've Come Over – A faixa
número 7 de Grace é, sem margem para dúvidas, a melhor música do álbum [Contudo,
não se trata da minha favorita]. Com uma sonoridade exímia, esta música
aparece-nos envolta de um lirismo perfeito. Esta é, mesmo, uma das músicas mais
emocionantes e sentimentais que já ouvi. A canção assenta numa das temáticas
que mais encabeçam o LP, assentando
na «perda de alguém», no «amor vazio» … A ânsia desmedida do querer preencher o
vazio que ficou no seu coração, notória na sua voz, aliada à tristeza musical
que é sentida, criam uma atmosfera intensa e agarram o ouvinte durante os
«longos» 6 minutos e 43 segundos. Ouro sobre azul, brilhante.
8. Corpus Christi Carol –Corpus Christi Carol é a outra música do
registo em que a letra não conta com a autoria do cantor norte-americano [O
autor deste belo poema é desconhecido e remota o século XVI]. É, a meu ver, o
ponto baixo de todo o álbum. A voz de Buckley
aparece, mais uma vez, deslumbrante, mas não se sente a presença do cantor como
se sentia nas outras músicas até aqui analisadas. É uma música que parece um
pouco desenquadrada com o panorama de todo o disco e parece-me um pouco
desfasada daquele «ponto de viragem» que referi na faixa So Real. Sem muito por onde
explorar, trata-se de uma música com uma sonoridade bastante simples e fina que
acaba por funcionar bem. Razoável.
9. Eternal Life - «This is a song about...it’s an angry song. Life's too short and too
complicated for people behind desks and people behind masks to be ruining other
people's lives, initiating force against other people's lives on the basis of
their income, their color, their class, their religious beliefs, their
whatever...» disse Jeff Buckley em Live at
Sin-é [disco ao vivo que aconselho vivamente]. De facto, nesta música
conhecemos um novo Jeff Buckley, que
canta efusivamente a raiva que sente. Fustigado pela necessidade de descobrir a
real essência da vida e do amor, o cantor presenteia-nos com a sua
versatilidade genial. Aparecendo-nos com uma sonoridade violenta, é uma música
que contrasta evidentemente com todo o álbum, dando-lhe uma nova amplitude.
Repleta de mensagem e de conselhos e apetrechada de um lirismo simples mas
eficaz, a voz de Buckley soa-nos
agressiva e encoraja-nos a esquecer tudo porque a vida é demasiado curta, não
sendo eterna, e merece, por isso, ser [bem] vivida. Absolutamente genial.
10. Dream
Brother – Esta música revela-nos
uma musicalidade misteriosa que remete-nos, em parte, para um estilo indiano.
[De facto, Buckley era adepto de
música indiana; aliás, chegou mesmo a interpretar a célebre Yeh Jo Halka Saroor Hai, de Nusrat Fateh Ali Khan, em Sin-é]
Do ponto de vista lírico, podemos dizer que a música retrata-nos uma introspecção
de Buckley acerca da sua infância e
acerca do seu pai, Tim Buckley. Notam-se, por isso mesmo, evidências
do quão profundo é o sentimento do cantor na escolha do vocabulário a empregar
nesta canção. A guitarra e a bateria, uma vez mais predominantes nas músicas do
cantor, fundem-se com a sua voz elegante e criam, novamente, uma atmosfera
intensa que se vai intensificando ao longo de todo o arrojo musical. Um
desenlace muitíssimo bom.
O álbum Grace, de Jeff Buckley, é, muito provavelmente, o LP mais intenso, emocionante, poético e belo que eu alguma vez
ouvi. Num disco repleto de sentimento, Buckley
consegue produzir um som onde demonstra ter capacidades vocais (quase)
sobrenaturais e um talento imenso para a guitarra, isto tudo, aliado à mestria
com que o norte-americano escrevia.
Jeff Buckley é
um daqueles artistas que tinha tudo para singrar a solo. A aliança entre a sua
voz, absolutamente poderosa, a sua enorme capacidade para escrever, a sua
versatilidade e o seu dom para a guitarra geram-nos a ideia de que, se hoje
fosse vivo, Jeff seria uma daqueles
artistas consagrados à escala global.
Gracioso, haverá sempre
um cristal cintilante que brilha no fundo de um rio.
Emanuel Graça
Emanuel Graça
Gostei mesmo muito de ler um post sobre o Jeff Buckley, um músico incrível, principalmente tendo em conta o contexto em que surge Grace.
ResponderEliminarDe facto, a música de Jeff acaba por nascer no seio de um momento peculiar, o que exponencia, ainda mais, este «Grace» para outro patamar.
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