Dona e senhora dum dos projectos mais interessantes do Ambient electroacústico, Liz Harris tem vindo a criar desde
2005, sob o pseudónimo de Grouper,
algumas das melhores canções feitas a partir da mistura de Folk, Lo-Fi, Drone e Shoegaze dos últimos anos, “rivalizando” com nomes mais sonantes
(mas menos importantes) como Julia
Holter ou Benoît Pioulard. O seu
mais recente disco de originais, The Man Who Died in His Boat, foi
lançado no passado dia 4 de Fevereiro com o selo independente da Kranky, e é dele que vamos falar nesta review.
Apesar de ser quase impossível fazer uma contextualização
do extenso trabalho que Liz Harris
tem vindo a desenvolver desde Grouper (a estreia homónima de 2005)
sem esquecer detalhes ou ferir susceptibilidades, creio não estar a fugir à
verdade ao dizer que Dragging a Dead Deer Up a Hill,
disco de 2008, foi sem dúvida o registo de afirmação da cantautora
norte-americana. Com uma sonoridade profunda, cheia de frágeis momentos de
beleza, o terceiro LP da artista serviu
de chamada de atenção para muitos, que passaram a olhar para Grouper como um dos nomes mais
promissores do circuito independente.
The Man Who Died in His Boat, oitavo
álbum a solo de Harris, apresenta-se
como um conjunto de canções recuperadas das sessões de gravação de Dragging
a Dead Deer Up a Hill, o que acaba por resultar, sem surpresas, numa
grande semelhança entre as duas obras, tanto em termos conceptuais como
sonoros. Contudo, apesar de se poder pensar a
priori que este registo não passa de uma colecção de “pseudo” B-Sides e faixas menores, a verdade é
que The
Man Who Died in His Boat afirma-se como um disco de pleno direito.
Cortando com as ambiências mais meditativas, extensas e
sonolentas dos seus discos mais recentes, mais concretamente A I
A: Alien Observer/Dream Loss (2011) e Violet
Replacement (2012), The Man Who Died in His Boat
leva-nos de volta às paisagens mais bucólicas e pastoris (mas, ainda assim,
bastante obscuras) que Grouper
andava a desenhar por volta de 2008, devolvendo-nos a um mundo paradoxalmente
frio e envolvente, carregado de drones
electroacústicos, melodias quase impenetráveis e vocais fantasmagoricamente
etéreos e desconcertantes.
Isso traduz-se, à boa maneira de Grouper, em panoramas sonoros avassaladores, que nos atingem de
forma certeira devido à conjugação duma simplicidade espartana com uma
indecifrabilidade digna dos mistérios mais ocultos da natureza. A isto tudo
junta-se, também, uma estética particularmente despida, conseguida através duma
utilização escassa de recursos: em The Man Who Died in His Boat,
(quase) tudo é conseguido apenas com a voz de Liz Harris, uma guitarra e alguns pedais de efeitos e filtros
vocais (com particular destaque para o reverb
omnipresente), o que volta a atestar a velha máxima de que “com pouco se faz
muito”.
Quanto às temáticas de The Man Who Died in His Boat,
não se pode dizer que se consiga perceber muito pelas letras, que aparecem aqui
duma forma quase indecifrável pela já referida entrega etérea de Liz Harris. Ainda assim, é possível
entender que, à semelhança da sonoridade, também a lírica deste disco se foca
na penumbra, ajudando a estabelecer um ambiente intenso, digno de uma casa
abandonada. Tudo isto se conjuga para formar uma obra sólida e coesa, que
encapsula em si mesma um grande poder, fruto dos sentimentos mais tristes e
melancólicos que existem em nós.
Contudo, apesar de todas estas grandes qualidades, não
pude deixar de me sentir frustrado com a presença de algumas faixas que, na
minha opinião, surgem desfasadas do resto do álbum e que, por isso mesmo,
acabam por romper algum do encanto que The Man Who Died in His Boat tenta
estabelecer; é o caso de Being Her Shadow,
Vanishing Point e STS, peças que penso estarem inferiores
ao resto do conjunto. Por outro lado, a simplicidade e a beleza de composições
como Clouds in Places, Cover the Long Way, The Man Who Died in His Boat, Towers
e Living Room acabam por levar este
registo a bom porto.
Resumindo, com The Man Who Died in His Boat a
norte-americana Liz Harris reabriu o
baú do passado; porém, o que à partida poderia ser visto como um acto
oportunista motivado pela preguiça/falta de criatividade acaba por ser, na
realidade, um precioso resgate duma belíssima obra digna de um destino melhor
que o esquecimento. Rico em paredes de som descomprometidas, feitas para
esconder as linhas com que se cosem as angústias da sonoridade de Grouper, este disco não é um registo
imediato e não é, certamente, para qualquer um. No entanto, isso só reafirma
aquilo que percurso de Liz Harris
nos tem tentado ensinar desde o início: que nem todos os álbuns foram feitos
para serem decifrados por toda a gente.
Nota final: 8.3/10
João Morais
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